Educação Antirracista. Quando ela chega?

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Freire Tão distante

A pouco tempo foi comemorado o centenário de Paulo Freire. Enquanto que nas redes educadores, políticos e pessoas comuns exaltaram o legado do educador. Nossa realidade é bem diferente.

Apesar do que os neopentecostais e direitistas afirmam, as ideias e ideais de Freire estão bem distantes da nossa educação, principalmente nas escolas das periferias e pequenas cidades do nosso país. Infelizmente.

Ou seja, faz apenas 33 anos que se tornou lei em nossa constituição a busca de uma educação universal.Quando muito, se pensava na inserção do branco pobre como mão de obra barata.

Quanto aos negros, pelo contrário, o projeto sempre foi de nos excluir da educação, e em ultima instancia “limpar o país”, através do genocidio e da missigenação.

Contudo, apesar das lutas e pequenas vitórias de professores negros e progressistas que entraram nesse sistema para fazer a diferença. Ainda estamos muitos distântes de ver uma educação antiracista e que prese pelo desenvolvimento real dessas crianças do futuro.

Por enquanto podemos ver apenas as vitórias de alguns indivíduos que conseguem, a duras penas, enfrentar esse racismo estrutural e predatório.

Enquanto isso, nas salas das escolas e universidades, o cenário é de uma guerra devastadora para o psicológico de pessoas negras e também no combate dos preconceitos raciais, de gênero e da homofobia.

Micro e Macro Violências

Em suma, existe uma cadeia de violências (no micro e no macro), que precisa ser quebrada e modificada para termos uma educação antirracista.

Afinal, nas esferas maiores (legislativas e normativas), de forma generalizada –  O poder da caneta está nas mãos de homens brancos em uma guerra de uma educação por castas e excludente versus uma educação humanista de molde europeu.    

Já nas linhas de frente do ensino infantil ao ensino fundamental e médio. A aplicação dessas normas está nas mãos de mulheres brancas, pobres ou de classe média-baixa. As mulheres negras são minorias nas escolas como professoras, homens então, menos ainda. (segundo dados do INEP “Perfil do Professor da educação básica”).

Tendo em mente esse cenário podemos entender como as micro e macro violências que mencionei acima se reproduzem ano após ano.

Como exemplo do micro, posso citar o famoso “lápis cor de pele”. O termo pode parecer inofensivo a princípio, porém é um ponto ampliador na distorção da autoimagem de uma criança negra. O lápis de cor rosa-claro é geralmente nomeado como a cor de todas as peles, o que exclui a existência de se representar no seu próprio desenho. Sem uma orientação vinda de casa ou de um professor, muitas vezes as crianças negras não se pintam com a cor marrom, se deixando sem pintar ou ainda, escolhendo o rosa, pois é o que a professora ensina como “A cor certa”.  

Das pequenas até as grandes agressões 

Essa questão é agravada quando também não se tem a representação de crianças negras em desenhos animados mais conhecidos e utilizados nas aulas. Ou nas propagandas e cartazes de divulgação de excursões e eventos na escola. 

Para ilustrar uma situação que vivenciei em uma escola: Como trabalho de geografia ou história, uma professora pediu para que os alunos pesquisassem sobre as crianças africanas, e os resultados foram apresentados nas portas das salas de aula. 

Todas as imagens mostravam crianças negras com roupas velhas, olhares tristes, sujas, magras e em lugares pobres. Ao lado dessas fotos no corredor, um cartaz divulgava uma excursão da escola que era um evento de profissões e brincadeiras.

Nele, fotos de crianças brancas, loiras (provavelmente de um banco de imagens extrangeiro) se divertiam felizes. Havia ainda um outro cartaz, este fazia propaganda do Parque da Mônica. Novamente, somente crianças brancas na imagem. 

Diante desse contraste fotografei as imagens e mandei para o grupo de professores. quem sabe fosse repensado como estava sendo trabalhada a imagem da criança negra na escola.

Para muitos nem sequer passou pela cabeça tal reflexão. Pois para o corpo docente 98 % branco, a imagem da criança negra pobre, passando fome é normalizada e até esperada de se encontrar, enquanto a afirmação da criança branca como universal, a para quem o ECA foi escrito.

Circulo de violência e o racismo

Violências como essas são comuns e massacrantes no cotidiano das escolas. Pesquisas mostram que as crianças negras são as mais hostilizadas e deixadas de lado pelas professoras, assim, como são as mais excluídas pelos colegas. 

Este é um círculo vicioso do racismo estrutural, já que muitas vezes as crianças negras são as que vivem em situação de risco em casa, cercadas de violência, fome e até mesmo do simples carinho e cuidado familiar. Devido a todos os problemas sociais que cercam as periferias e os pobres. 

E se esses problemas são comuns durante as aulas, elas se acentuam nas festas e comemorações. Uma simples fantasia para o carnaval de princesas, sempre brancas. Ou a figura da “Nega Maluca”, perucas de cabelos crespos desgrenhados, as músicas de marchinhas racistas e machistas, por exemplo, ainda são comuns nas escolas.
Já ouvi casos até de professoras que utilizaram esponja de aço como cabelo. Colado em um cartaz de uma boneca negra para o mês da Consciência Negra… vejam só. 

Aliás, além dos costumes e da estrutura racista das escolas, nossos currículos, livros didáticos também são um problema. Falando apenas do ensino publico… A figura do negro e do indigna é sempre apagada e colocada como objeto da história branca e eurocentrica. E muitos professores ainda seguem essa visão. 

A lei 11.645/08 que previa o ensino da cultura afro-indigina na escola ainda é um desafio nos dias de hoje. E com o atual governo já sofreu ataques diretos.
E mesmo antes, a simples menção da cultura afro sempre foi marginalizada e literalmente demonizada. Seja qualquer música com tambor, ou qualquer manifestação cultural negra, é tachada de coisa do demônio, macumba. E nessa corrente as religiões de matriz africanas são as que mais sofrem pelo racismo religioso.

Nem com lei


Os pais de alunos chegam a ir a escola, ou a secretaria de educação pedir punição para o professor que ouse falar contra esses preconceitos, ou apenas aplicar a lei e quebrar os tabus contra a cultura afro. 

E é nesse embate com os pais de alunos, que novamente a barreira das professoras brancas se torna ainda mais clara. Principalmente em cidades pequenas, as professoras são “vassalas” das famílias de seus alunos.

Agradar a pais e famílias chega a ser a preocupação principal de algumas professoras e professores (principalmente no ensino infantil e fundamental I). Como se estivessem em um cargo político ou de popularidade. 

Se de um lado temos as crianças negras, muitas vezes com pais distantes ou ausentes da educação dos seus filhos. Do outro temos as crianças brancas, com famílias mais presentes e conservadoras, policiando os professores e reproduzindo os preconceitos religiosos e culturais.

Vai existir um alinhamento natural dos docentes com a estrutura opressora que os rodeia. 

Por uma educação Antirracista 

Então, diantes dessas realidades, como pensar uma educação antirracista real para as crianças negras do futuro? 

É possível, porém ainda está distante. Talvez o caminho mais rápido fosse os próprios negros se organizarem para criar as escolas afro.

Um local onde em uma rede segura, nossas crianças aprenderiam a sua história e seu valor desde cedo. Ciente do racismo presente fora da rede de proteção, sabendo como enfrentá-lo. Criando planos de como acabar com o racismo estrutural. 

Nessa realidade, nossos netos e bisnetos teriam estrutura, conhecimento e apoio para atingir os outros pilares que ainda escravizam nossas comunidades.

Entrando nas políticas públicas, justiça e no comércio. Já temos algumas experiências do tipo com escolas pan africanas. Porém são casos pequenos e promessas. 

Curto/ Médio Prazo

Para o curto prazo, devemos do apoio de brancos e não negros antirracistas, dispostos a ver os problemas dessa estrutura, e também a aprender onde erram e como podem combater esse racismo estrutural na educação. 

Indo contra alguns dos exemplos que citei acima é um pequeno passo que pode mudar a realidade de muitas crianças negras. 

Além disso, nós temos que estar mais presentes na educação de nossas crianças negras.

Cercando de representação, cultura e fornecendo matéria para semear ideias e esperanças nas imaginações dos pequenos.


Presentes como pais, professores, educadores, seja como for. De preferência conhecer mais nossa história e nossa cultura. Sempre combater falas e comportamentos racistas nas escolas, igrejas, trabalho.

Assim, estando mais presentes, e alterando a estrutura. Ter mais negros e negras escrevendo as leis e diretrizes, mais diretores, diretoras, professores e professoras. Protegendo nossas crianças e buscando quebrar o eurocentrismo no que consumimos e reproduzimos.   

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